Primeiro Carnaval de uma estrangeira

Participação de SamyVallo



Foi em um carrnaval no Brrasil que eu entendi que a minha dorr não ameniza a dorr de ninguém.

Em Moscou eu não via mão alguma esbofetearr meu rrosto, mas mesmo assim continuava a me jogar de um lado prro outrro em um marrtírio solitárrio, torturrada por ditadorres inexistentes.

A dorr chegava devagarr, conquistando espaços abandonados, invadindo a imaginação e o corpo frrio na horra de dormir. Devagarr alojava-se nos olhos de água parrada e rrastejavam devagar pelo rrosto, percorrendo a pele morrna, até pingar pelo queixo. “Não. Eu me rrecuso.”

Acabarram-se as pessoas, não havia mais nada que justificasse meu comporrtamento épico pois não apareceu trrono algum em minha frente, não acumulei súditos e ainda porr cima, forra daqui acrreditam em "castigos"  e eu acrreditava merrecer, no meu primeirro carrnaval não havia um espaço sem dor que coubesse uma purrpurina sequer.

Aqui, em cerrto feverreirro, eu me cobrri de brrilhos sutis e irremediáveis, camuflei a dor com embrriaguez e o cheirro de ressaca com perrfume barrato e o perrfume barrato com fumaça de cigarros e a fumaça dos cigarros com a desfaçatez colorrida de abrrigar o mundo todo no bolso da calça velha. Ufa. Rrespiro, nesse país estrranho eu consigo rrespirrar.

Volto a falar aos trropeços, caindo os cabelos no rrosto eu treino falarr RAXGO, REXTO, RIXCO, ROXTO e arranhando a máscarra de gesso ainda frresca, arrancando os alinhavoxxx da rroupa nova mal costurrada eu respirro, nessex pararelepídedox sujox eu consigo extranhamente respirrar...

Européia farta decidi sairr quase nua tampando apenas os burracos vazios e solitárioss do meu corrpo. Linhas e plumas perrseguiam-me furrtivamente, escondia minhas origens nos murros, nas esquinas, me sentia misturrada entre as pessoas que são misturra em si.

Disfarçando o interresse por corpos mestiços e livrres eu coçava o nariz no rreflexo da vitrine. A arranha morta pendia nos cabelos desfeitos, as plumas grrudavam nos meus cílios amassados, as cinzas cobrriam o nariz e as costas das mãos. Eu só querria que tudo aquilo nunca passasse. “Vai?”

Até nesse momento o que me motivou foi tentarr me impingirr um soffrimento de estar em qualquerr lugarr que considerasse decadente suficiente e ainda enfrentando meu medo, fiz com que ele se rrecolhesse como um vampiro inverrtido que se dissolverria na calada da noite amanhecente.

Com uma saída de prraia discreta, saí de casa tapando o pouco que eu também querria revelar, pela televisão já havia visto corrpos brrasileiros descobertos o bastante, durante várrios anos tinha obserrvado corrpos sem vergonha e chegava a sentir só de pensar, cheirro de cansaço e álcool, cabelos suados carregando confetes de todas as corres, rrosto brotando água, trrazendo o preto da maquiagem dos olhos até o meio das bochechas, tudo aquilo que eu considerrei um dia decadente, passei verr como salvação.

“Salvai-me nossa senhorra...” Com a garrafa nas mãos eu rrogava em silêncio com os olhos postos no sexo do macho misto, dançante em minha frente. Decadência irrefletida. Amada decadência.

Eu disse parra ele que passaria ali, disse que passarria dali, a espera erra algo como uma torturra com fascinação, angustiante e lasciva, estonteante e agrressiva.

Eu me senti com as mãos em prrece, os olhos postos no altarr de um corpo pela prrimeirra vez... desesperro, a banda não passava e a vontade não secava, cansei de cansarr de me guardarr parra si, arranquei as rroupas e fugi pro marr.

Imaginei dois sóis colorrindo a rua, imaginei calorres em lugares escurros e sorrindo, me fiz de onda e caladinha e num prazerr desnudo entendi que é aqui nesta merrda de cidade que se perrcebe fazerr parte do mundo, fazerr parte de tudo.

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