Campeonato de Antifutebol Brasileiro

Quando foi a última vez que você viu um jogo do Campeonato Brasileiro, que não seja do seu time, e ficou empolgado? Quando foi a última vez que no meio de uma partida do torneio de futebol mais importante do país soltou aquela famosa frase: “caramba, que jogão”?
Vivemos um período da completa falta de ideias nos bastidores, dos técnicos e talento nos campos do futebol praticado no Brasil. A capacidade de produção dos principais times do país é de nível de segunda divisão de Inglaterra, Espanha e Alemanha. O que vemos hoje pelos gramados incomoda a qualquer um que ama o futebol. São partidas sem a menor criatividade. Qual é o jogador hoje em atividade no Brasil que quando pega a bola você espera algo diferente? Qual é o time que você para para ver jogar, pois sabe que verá algo agradável?
Poderia gastar um sem número de caracteres fazendo perguntas que me faço todas as vezes que assisto um jogo do Campeonato Brasileiro e ele é ruim que dói. Infelizmente não é raro, pelo contrário, é a esmagadora maioria. Na verdade a pergunta final, que realmente importa, a qual talvez possa trazer alguma luz aos fatos é:
Por que joga-se tão mal no Brasil?
Separei três causas que acredito condensarem os motivos para termos chegado num nível tão ruim de futebol.

Causa 1: não somos ricos.


Note, a comparação aqui é direta com os melhores centros europeus, que é onde hoje vemos o futebol mais vistoso sendo praticado. Manchester City, Real Madrid, PSG, Liverpool, Barcelona são equipes que você pode sentar para assistir tranquilamente sabendo que ao menos testemunhará uma partida com qualidade técnica. Nem sempre é uma primazia, mas ao menos é algo que diferencia os jogadores profissionais dos que estão na sua pelada da semana.
Essa é a única causa que foge de nosso controle no Brasil e já aparece de cara: dinheiro atrai os melhores jogadores e, óbvio, os melhores jogadores praticam o melhor futebol. Não tem jeito e isso não vai mudar tão cedo, se é que vai mudar algum dia. E não, não importa o que um time sul americano faça, ele nunca será tão rico quanto um gigante europeu, pois isso tem forte influência de fatores externos ao futebol, basicamente a economia do país. Enquanto o Brasil tiver a economia que tem, não há como fazer frente a quem ganha em euro. Mas, do mesmo jeito que essa questão aparece logo de cara, a própria puxa uma outra parecida: mesmo na América do Sul, os times brasileiros não tem obtido sucesso apesar de ter mais dinheiro que seus vizinhos.
Nenhum time brasileiro chega na final do Libertadores da América desde a edição de 2013, quando o Atlético Mineiro bateu o Olímpia. Estamos há três anos sem ao menos poder tentar vencer a maior disputa de nosso continente. A questão dos seguidos insucessos brasileiros a nível continental fica ainda mais acentuada quando percebe-se que, do mesmo jeito que a Europa tem muito mais dinheiro que nós e por isso tem melhores jogadores, os clubes brasileiros tem MUITO mais dinheiro do que qualquer outro da América do Sul. A distância do faturamento de um grande de nosso território é muito grande em relação a nossos vizinhos.
A Argentina é a segunda maior economia de nosso continente e divide com o Brasil a atenção mundial no quesito futebol fora da Europa. Pois bem, os dois gigantes River Plate e Boca Juniors tiveram um orçamento, para a temporada 2015/16, de R$ 252 milhões e R$ 223 milhões, respectivamente. Segundo o levantamento feito pelo consultor de marketing esportivo, Amir Somoggi, essa cifras fariam dos dois apenas 10º e 12º clubes com maior orçamento no Brasil. No mesmo período, o Flamengo teve R$ 510 milhões, o Corinthians R$485 e o Palmeiras R$ 468. A comparação fica ainda mais bizarra se levarmos em conta que o San Lorenzo, campeão da Libertadores de 2014, em 2015/16 teve um orçamento de R$ 82 milhões, dos times da 1ª divisão do Brasileiro daquele ano só ultrapassaria Chapecoense e Figueirense. Você consegue imaginar um desses dois times campeões do principal torneio de futebol do continente? Pois, é. Foi o que fez o San Lorenzo. Claro que há a parte da tradição, mas tradição sem investimento não adianta muita coisa.
Há um contraponto que deve ser levado em consideração aqui: todo ano que Europa e mercados como chinês e árabe vem fazer as compras no futebol brasileiro, a qualidade fica nivelada por baixo. Não importa se um clube tem muito dinheiro, se ele vende seus melhores jogadores sempre ou não consegue segurá-los, a qualidade dos que ficam se assemelha daqueles que não tem tanto poder de investimento, isso pelo menos até a próxima janela, quando o mais rico poderá se reforçar novamente. Isso fica claro quando vemos o Palmeiras em 2016 e 2017. Mesmo técnico, a mesma calça vinho, quase que os mesmos jogadores. Então o que fez o campeão brasileiro de 2016 nem disputar o título em 17 e ser eliminado nas oitavas-de-final da Libertadores? A falta do seu extraclasse: Gabriel Jesus. Não tem mais um diferencial.
Vemos que dinheiro é importante. Óbvio! Mas enquanto não conseguirmos segurar os melhores jogadores por pelos menos duas, três temporadas, ter ou não dinheiro não fará muita diferença. Enquanto faturamento não for traduzido em bons jogadores em campo, a qualidade nunca será das melhores.
Não conseguir fazer frente ao dinheiro dos europeus é um problema que devemos saber contornar, pois não há qualquer razão para acreditar que isso vá mudar algum dia, mas temos a obrigação de ter os melhores plantéis da América do Sul e algumas vezes isso não acontece. Porém, esse é apenas um dos motivos pelo atual antijogo praticado no Brasil.

Causa 2: imprensa sensacionalista, bairrista e protecionista

Neto até parece ser um cara gente boa, mas a personagem dele na tv é síntese de parte do jornalismo esportivo brasileiro

Rádio e televisão tornaram-se “tributos fixos” para a inteira vida psíquica da comunidade. É este fato que, permeando uma sociedade, lhe confere aquele peculiar sabor cultural. Cada produto que molda uma sociedade acaba por transpirar em todos e por todos os seus sentidos (MCLUHAN, 1995, p. 37).
A imprensa tem grande influência no futebol praticado no Brasil, pois os jornalistas simplesmente tem o poder de reger os ânimos e o modo como pensam os torcedores. Quantas vezes vimos imprensa plantar crise, derrubar técnico, criar problema onde não há, desavença interna. Para se ter uma noção do tamanho do poder da imprensa, em 2010, ninguém menos que Zico era diretor executivo do Flamengo. A oposição começou a plantar notícias que atacavam a idoneidade do Galinho por meio da imprensa. Toda semana algum jornalista falava que certa decisão controversa tinha sido tomada pelo craque para atender interesses privados. O resultado foi que CONSEGUIRAM TIRAR O ZICO DO FLAMENGO. Minha gente, quem tira o Zico do Flamengo faz qualquer coisa no futebol.
Se por um lado temos novos canais de informação surgindo na internet, em sua esmagadora maioria criada por torcedores para torcedores, por outro lado os meios convencionais tentam a todo custo sobreviver à revolução da comunicação que está em curso. Quem trabalha no dia a dia das redações é cobrado pelas vendas ou o equivalente a isso (cliques, ibope, etc), ou seja, quem antes trabalhava para levantar e divulgar informações, hoje tem que trabalhar para levantar assuntos que chamem atenção de qualquer forma. O resultado é uma imprensa macabra, que vive de levantar falácias, “analisá-las” e, se possível, ainda incutir aos técnicos, jogadores, diretores os problemas criados pelos próprios jornalistas.
Não bastando esse comportamento, a imprensa esportiva também é extremamente corporativista, não aceitando críticas. Na verdade isso sempre foi assim, mas diante do cenário atual em que mudanças são necessárias, esse proceder está cada vez mais evidente e incomoda quem olha a panela de fora. Temos o já clássico caso do Jornal Extra que publicou em sua capa um texto dizendo que não ia mais chamar o goleiro do Flamengo, Muralha, por esse apelido porque, diante das falhas, não tinha como usar essa palavra para se referir ao jogador. Todos de dentro do clube se sentiram atingidos e saíram em defesa do guarda-metas, assim como a maior parte da torcida nas redes sociais. O clube, como amostra de sua desaprovação e suporte ao seu funcionário, proibiu o repórter do diário de fazer perguntas na entrevista coletiva. O repórter postou esse twitt falando sobre o caso:
Os outros repórteres saíram em defesa do colega, taxando a ação como censura. O repórter estava no clube, que é uma instituição privada e pode escolher quem pode ter acesso ou não às suas dependências. Tentar classificar essa ação como censura foi uma amostra clara do corporativismo da imprensa esportiva. No menor sinal de crítica mais dura, o núcleo fecha em torno do atacado e usa seu poder para tentar formar uma opinião pública que seja benéfica e corresponda à sua. Antes das redes sociais teria conseguido, mas hoje isso não cola mais tão fácil. A esmagadora maioria das respostas ao twitt do jornalista, assim como dos colegas de profissão, foi aprovando a ação do clube. No dia seguinte, o repórter pôde trabalhar normalmente e, na verdade, quem ficou sem um meio de expressão foi o diretor de comunicação do Flamengo, Antônio Tabet, que até então tinha uma coluna no jornal O Globo (mesma empresa do Extra) e foi dispensado após esse caso. Censura?
O problema aqui é que não há como aumentar a qualidade do jornalismo se seus profissionais não aceitam a menor crítica. Algo simples como um “hoje não, amanhã você volta” é taxado como censura e dá cada vez mais espaço a um trabalho sem limites, sem ética e sem compromisso com a informação. Não citei o nome do jornalista pois não costumo acompanhar o trabalho dele, usei apenas esse caso para ilustrar o protecionismo praticado pela imprensa.
É um discurso duro, como jornalista eu sei muito bem da gravidade do que escrevo. É mais do que óbvio que há profissionais mais do que gabaritados na imprensa, com compromisso pela informação e verdade, dos quais sonho algum dia em poder me equiparar, mas desafio qualquer um a uma semana de mesas redondas de Fox Sports, ESPN (lamentável o que aconteceu aqui pós 2014), Sportv e Esporte Interativo, além de personagens como Neto e Milton Neves e tire suas próprias conclusões. O resultado desse massacrante discurso da imprensa faz com que não haja tempo para nada no futebol. Isso reflete diretamente no trabalho e, principalmente, no psicológico de quem trabalha com futebol.
O maior problema desse proceder é que o efeito é indireto. Um treinador nunca é mandado embora porque a imprensa pede ou quer, mas pela pressão dos núcleos do clube. Os jornalistas estão posicionados na construção dessa pressão. Cada mesa redonda, cada clique num site, cada post numa rede social de profissionais da comunicação tem o poder de colocar ou derrubar um tijolo por vez na vontade das pessoas de que alguém está fazendo um bom trabalho no comando de um time de futebol, mas quem derruba essa parede de vez não é quem esteve minando-a, então a atenção nunca é voltada para quem faz esse trabalho. Na verdade, o que já aconteceu é que jornalista passa semanas criticando um trabalho e, quando isso termina em demissão, ele critica a diretoria por ter mandado embora o técnico. Voltando à lógica da crítica pela atenção.
É claro que existem exceções. Temos alguns clubes no Brasil que conseguiram sim manter seus comandantes e só mandaram embora quando não havia mais como e também, obviamente, os técnicos que fazem trabalhos ruins. Mas a verdade é que raras vezes um treinador fica tempo suficiente a frente de uma instituição da primeira divisão para que seu trabalho seja julgado bom ou ruim.
Qual técnico de futebol no Brasil não conseguiu bons resultados no início, mas lhe foi oferecido tempo para consertar os erros? O único que me recordo é o Tite no Corinthians, que até hoje ainda é o único a dirigir um time grande na pré-Libertadores e não classifica-lo. Bom, todos sabemos o que aconteceu depois.
Em 2014, o jornal mexicano El Economist fez um levantamento entre 2002 até aquele ano, com as 10 principais ligas de futebol do mundo, e constatou que o técnico brasileiro é disparado o que tem menos tempo para trabalhar. Em médias ficam no cargo apenas 15 jogos. QUINZE JOGOS! O segundo país que mais troca de técnicos é a Itália, com uma média de 41 jogos do profissional na direção de um mesmo clube. É mais do que o dobro.
O resultado disso é um só, e ai chegamos à terceira razão do antifutebol praticado no Brasil e, para mim, a principal.

Causa 3: técnicos medíocres.

Hoje vivemos a era dos técnicos no futebol. Não, eles não entram em campo para resolver, mas não há um time sem um esquema encaixado que consiga vencer o menor torneio que seja. O enorme desenvolvimento da preparação física dos jogadores fez com que a velocidade da partida aumentasse exponencialmente e não há mais lugar para remendos táticos em campo. Hoje cada espaço é disputado à tapa e quem não faz isso perde a partida. É simples assim: ou você pressiona de alguma forma ou será derrotado. Sim, ainda há espaço para times entrarem tocando a bola até o gol, mas só consegue fazer isso quem tem um esquema preparado para tal. A Seleção de 82 ainda daria show hoje, mas dependeria não só da enorme qualidade técnica de seus jogadores, mas também de ter um esquema voltado para isso e MUITO bem treinado. O fator técnico é sim o diferencial, vide o exemplo que já citei de Gabriel Jesus resolvendo um Campeonato Brasileiro para o Palmeiras, mas o talento só se sobressai quando ele está baseado numa tática bem montada e executada. Talento por si só não adianta mais, como exemplo disso temos o sofrimento da Argentina para se classificar à Copa de 2018. Um dos melhores jogadores do mundo, o provável ataque com mais opções de alto nível do planeta e só conseguiram a classificação na última rodada das eliminatória, diante de um Equador reserva.
O problema disso é que um time leva tempo para alcançar o status de bem treinado, para ter um esquema de jogo encaixado e, como já vimos, esse tempo não existe no cenário do futebol brasileiro.

Todos nós lutamos diariamente para nos mantermos empregado. Esse é o mundo que vivemos e com os treinadores de futebol não é diferente, pois são tão humanos como qualquer outra pessoa. Acontece que a urgência pelo resultado positivo imposto pelo mundo do futebol fez com que eles se adaptassem ao cenário e optassem pelo medíocre em troca da maior sobrevivência possível nos cargos. Então o que vemos hoje no Brasil são times especializados em destruir jogadas e trabalhar no erro do adversário, pois é o modo mais fácil e taticamente mais simples de se jogar futebol: dê a bola ao seu adversário e aproveite o erro dele.
Hoje apenas um clube da primeira divisão joga construindo oportunidades de gol: o Grêmio, de Renato Gaúcho. TODOS os outros profissionais trabalham com o 4-5-1, fechando sua defesa com duas linha defensivas, a primeira com quatro jogadores e a segunda com cinco. Onde estão os times que jogam no 4–4–2 e suas variações? Cadê o 3–5–2 tão usado na Europa no momento? No Brasil apenas um esquema reina: 4–5–1! Mediocridade.
E o ataque? Somente contra-ataque no erro do adversário. Também há a opção do já conhecido chuveirinho com o ponta que só sabe correr ou na bola parada. Quantas vezes você viu no último jogo a bola sendo levantada à área da intermediária? Isso é o carimbo da mediocridade tática com a bola no pé!
A questão nisso é que em algum momento o time terá a bola, só que ai chegamos ao problema, o time que está com a bola não sabe construir jogadas por si só e o que está sem a bola é voltado para a destruição de jogadas. O que isso gera é: a equipes não sabem o que fazer quando tem a bola ou não conseguem fazer nada por pura deficiência tática! Não há nada voltado ao ataque sem que seja um contra ataque. Não há triangulações, passagens, tabelas, apenas sair correndo pelas pontas e cruzar, geralmente, mal. Não há chutes a gol, chances de gol. Como bem disse Casagrande numa transmissão: não tem o grito de “UUUUUUHHHHH” vindo da arquibancada. Os jogos são horrivelmente massantes, pois junta-se uma tática pobre com o baixo nível técnico dos jogadores. Confesso que já parei de assistir algumas partidas no meio por simplesmente não aguentar mais ver jogador errando passe e dando bicão para o alto e nada de efetivo acontecer, ou seja, ficar naquilo que os comentaristas chamam de jogo de intermediária. Sempre que você ouvir isso saiba que está assistindo uma peleja MUITO ruim.
O problema nisso é grave, na verdade nunca foi tão problemático ter em nosso país um futebol medíocre, porque isso vai minando o interesse das novas gerações no cenário nacional. Imagine uma criança de 10 anos. Pela manhã assistiu os melhores jogadores do mundo fazendo boas jogadas, coisas que vai imitar por um tempo. Partidas disputadas palmo a palmo ou então um time passando o caminhão por cima do outro. Chega a tarde e vai assistir uma disputa nacional e NADA ACONTECE! É um festival de bicuda para o alto e passe errado. Cruzamento sem a menor direção e jogador brigando com o juiz. E ainda tem que presenciar alguém mais velho dizendo que ninguém ali jogaria no time de mil novecentos e bolinha (o que é uma verdade).
Esse é o cenário, agora coloque-se no lugar dessa criança apaixonada por futebol: qual você ia dar preferência para acompanhar? A qualidade do produto está diretamente ligada à sobrevivência dele. No futebol essa conexão demora um pouco mais para aparecer, porque há a paixão e quando uma geração é cativada, a qualidade influi menos, mas se a próxima não passar por esse processo, o interesse nunca será o mesmo. Futebol é emoção e as pessoas, independente da idade, querem a emoção. E elas irão em busca disso onde estiver. Eu juro a você que a duas temporadas atrás eu tinha bastante interesse em ver o pequeno Swansea jogar no Inglesão, pois era um futebol vistoso e me dava prazer. Era agradável ver aquele time jogar, como era também o Atlético Nacional comandado pelo Rueda, assim como era a La U de Sampaoli, e o Corinthians de Tite.
Entendeu agora por que tem tanta criança e adolescente torcendo para time da Europa? Por que eles sabem escalar o PSG e não sabem o time do pai deles? É tudo interesse e emoção. O futebol brasileiro não está sendo interessante e muito menos emocionante.


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Referência: MCLUHAN, Marshall. Os meios de comunicação como extensões do homem. 10ª edição, São Paulo, 1995.

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