Escrever fantasia é moldar o infinito
Fantasia é o meu gênero favorito desde que eu
conheci o significado da palavra gênero. Minha adolescência foi regada com
muito RPG, com destaque para o Final Fantasy VII e o Pokemon Blue no Game Boy
Color. O dia que eu vi o trailer da Sociedade do Anel no cinema minha cabeça
explodiu e desde então sou fiel seguidor da obra de Tolkien. Passando por Terry
Pratchett e sua terra plana sustentada por animais titânicos, o genial Douglas
Adams (que até hoje não sei se é ficção-científica ou fantasia), pela obrigatória
fantástica saga de Star Wars, voando de vassoura com Harry Potter e,
ultimamente, pelo mundo de Martin. Olhando para tudo isso e alguns outros que
consumi também, me vem a pergunta: por que eu gosto tanto de fantasia?
Muita gente faz a ligação entre consumir fantasia
com uma possível fuga da realidade, fugir dos problemas do dia-a-dia. Pode até
ser, mas, veja bem, qualquer história bem contada pode ser usada como uma fuga
da realidade quer ela seja um livro, uma peça de teatro, a novela de estimação
de nosso povo ou até mesmo o jogo de futebol. Essa lista é quase infinita se
levarmos em conta que qualquer tipo de entretenimento serve como fuga da
realidade. Ninguém pensa nas contas a pagar quando está imerso numa história,
num jogo de cartas ou se divertindo com os amigos.
Então levando-se em conta que eu poderia escolher
qualquer outra coisa para fugir da realidade, se é que essa era a intenção, o
que leva eu ou outra pessoa qualquer a escolher consumir algo do gênero
fantástico?
30 anos para conseguir essa resposta, meus caros.
O que fascina na fantasia é o diálogo com o
infinito. Pense comigo: uma pessoa quando vai começar a escrever uma fantasia,
ela pode fazer qualquer coisa, QUAL-QUER. Desde um mundo que as pessoas voam,
mas todo resto é quase igual ao nosso, até um universo em que a física seja
inversa à nossa. E quando escrevo “até” é só um modo de falar. Não existe até
aqui, as possibilidades são infinitas. Então, escrever fantasia é um exercício
de moldar o infinito. É dar limites ao que inicialmente não tem, dizer até onde
as coisas podem ir e lidar com suas escolhas durante a jornada.
Imagine uma loja de doces literalmente sem fim.
Escrever fantasia é como entra nessa loja, com crédito ilimitado, na missão de
fazer a melhor cesta de doces do mundo. Cada pedacinho de açúcar que você
escolhe colocar na sua cesta dá uma forma a ela e elimina outras
possibilidades, que poderiam ocupar aquele mesmo lugar do doce que você
escolheu.
Por exemplo: no mundo de Tolkien, dragões só
começam a ser importantes depois que muita coisa acontece. Não havia
necessidade alguma de os lagartos gigantes aparecessem nas histórias dele,
mas Tolkien optou por ter dragões. Isso fez com que novas possibilidades fossem
abertas e outras fechadas. Star Wars poderia passar sem Ewoks, mas eles estão
lá… e por ai vai.
É por isso que geralmente fãs de fantasia gostam
tanto de cada novo livro, filme, trecho, ilustração ou seja lá o que for de
suas obras favoritas. Cada um deles pode trazer um detalhe que explique porque
tal acontecimento ocorre, porque a montanha é azul e não preta, porque os elfos
são mais poderosos que os homens, etc. Easter eggs fazem nossa alegria. Cada
filme de Senhor dos Anéis eu ficava maluco com os detalhes que conseguia pescar
de fatos que aconteceram eras antes daquela história específica. Um exemplo:
lembra que no Sociedade do Anel a Arwen carrega o Frodo em fuga desesperada dos
espectros do anel? Só que quando ela atravessa um rio raso, ela para e desafia
eles a atravessarem. Eles ficam com medo, mas acabam indo. E para todos parece
que ela invoca uma magia de água que faz o rio varrer os cavaleiros negros, mas
não é simples assim. Os fãs de Tolkien sabem que ela por si só não fez magia
nenhuma e existe uma força muito maior por trás dela que faz aquilo. Por isso
que os nazghuls tinham tanto medo de atravessar o rio, eles sabiam da força que
os aguardava ali também.
Esse é só um exemplo de como a cada detalhe
entendemos um pouco mais daquilo que admiramos.
E é por isso que eu gosto tanto de fantasia:
observar uma pessoa moldar o infinto até chegar a algo finito e palpável é algo
que me fascina. Cada encaixe feito, como as coisas se relacionam, como cada
força equilibra aquele universo e valida as ações dos personagens. Fazer essa
equivalência é uma arte.
Chego no final do texto, mas aposto que você já se
perguntou mais de uma vez…
E a história?
Bem, histórias e roteiros não dependem de gêneros
para serem boas. Avenida Brasil (a novela mesmo) é uma história MUITO BOA, com
um final ruim, mas continua sendo muito boa. Todos os gêneros tem boas histórias,
roteiros, personagens. Tanto que é muito difícil achar uma trama que não se
pareça com outra de outro gênero. Todos eles tem o seu Romeu e Julieta. Logo, se boas histórias independem de seu
tipo, dou prioridade às que podem me surpreender além delas.
Parabéns pelo trabalho! Muito bem escrito!
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